a menina estava brava, muito brava mesmo, chorando aos gritos. incrível que um corpinho de três anos pudesse expressar tão intensamente sua insatisfação.
quando olhou para o lado, viu um espelho, percebeu seu estado "desarrumado" e imediatamente parou de xilicar e começou a se relacionar com sua imagem no espelho, como se nada tivesse acontecido...
quem assistia a cena, além da surpresa pela mudança de humor imediato, começou a questionar a veracidade daquela braveza toda, pois será possível estar bravo de verdade e deixar de estar, imediatamente?
sim, não só é possível, como é saudável.
a capacidade de variação de emoções é um dos sinais de corpo bem organizado.
o bebê e a criança, em seus corpos conectados, sem tensões fixas, vivem em variação emocional constante.
isso quer dizer, viver no presente, relacionar-se com o tão desejado "aqui e agora".
a emoção é instintiva.
todo ser vivo, seja barata, mosquito, elefante, peixe ou gente, tem suas ações sob o domínio de suas emoções.
e todo ser vivo está em constante relação com o "fora", está a deriva.
a deriva não é o caos, mas também não é controlável.
são forças com as quais nos relacionamos, é a natureza em ação.
somos corpos organizados a deriva!
esse corpo organizado a deriva, continuamente em transformação, tem interconexões que geram emoções, e essas emoções direcionam nossas ações.
emoções "fixas" geram ações fixas, músculos tensos, respiração limitada e reduzem nossas percepções, ficamos empacados, passamos das emoções instintivas para as emoções culturais.
as variações de emoções, agem diretamente nas nossas ações, liberam nossos músculos, permitem a fluidez da respiração e ampliam nossas percepções.
e esse é um recurso nato, do corpo organizado a deriva.
por isso as crianças não investem no ressentimento, pois estão em variação constante.
esse é um dos movimentos necessários para a desescolarização, reconquistar a capacidade de entrar em variação emocional; as vezes tão distante do adulto.
assim nos desatamos da escolarização que investe no corpo desequilibrado e tenta controlar a natureza, porque um corpo desorganizado sente-se ameaçado pela natureza, mas não temos escolha, a natureza é incontrolável e impossível de não fazer parte da vida.
a desescolarização investe na preservação, ou reconquista, do corpo organizado que celebra a deriva.
o contato com as crianças, especialmente os bebês, nos inspiram esse caminho, esse retorno (sempre inédito) do corpo organizado a deriva que permite a variação emocional e assim vive no presente.
o paradoxo é que quanto mais variamos emocionalmente mais consistente nos tornamos.
quem não varia, torna-se obsessivo, um personagem, uma caricatura.
na variação vamos nos afirmando.
em outras palavras esse movimento poderia também ser chamado de desapego.
desapego das emoções, do ressentimento, do conhecido;
e das garantias, que geralmente são ilusórias.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Quando nos prendemos a uma única emoção, nos limitamos a escuta. Ouvimos e entendemos de um mesmo ponto de emoção.
Como: duas pessoas em relação de raiva- ódio. o seu simples "Bom dia!" é profundamente irritante.
Quando abrimos essa possibilidade de variações de emoções, abrimos também a escuta. nos percebemos mais ativos e dispostos a receber o outro.
É Ana, isso faz todo o sentindo
Beijos Bianca
Belíssimo post... Nunca tinha pensado sobre isso. Obrigada!
Um beijo,
Fernanda.
Postar um comentário