um dos grandes males da escolarização, é que aprendemos a praticar a segmentação da vida.
tem hora para o trabalho e hora para o lazer
hora de mexer o corpo e hora de estimular a mente
etc
e suas subdivisões,
hora de trabalhar a mente direcionada as matérias humanas, e hora direcionada as matérias exatas
hora de cuidar do físico, hora de cuidar do "psicológico"
etc
por isso que eu digo, que mesmo que a escola faça suas pequenas reformas, ela continua com sua escolaridade nociva.
assim chegamos a vida adulta reproduzindo essa cisão onde seguimos criando uma vida fragmentada.
quando uma mulher tem um filho, cria-se um conflito entre vida profissional e vida materna, e se ela opta por dedicar-se totalmente a vida materna, surgem outros conflitos, entre os deveres da casa, as necessidades pessoais e a atenção ao filho.
e por mais que temos condições de amenizar esses conflitos de modo pratico, seguiremos com o conflito de modo existencial, pois treinamos durante toda a vida escolar, esse modo segmentado de ser.
quando nos desescolarizamos desse paradigma, começamos a nos dar conta que viver não é cumprir funções, e ficar como equilibrista entre múltiplas tarefas.
vida boa também não é vida sem problemas e cheia de prazer.
é só conviver com uma criança para sentir que antes de qualquer direcionamento, o que ela precisa, essencialmente, é "condições para produzir vida."
criança não gosta de problema imposto, ela gosta de problematizar suas próprias questões.
criança não gosta necessariamente de brincar, a não ser que elas estejam produzindo vida com o brincar, mas brincar para se distrair, para matar o tempo, para desenvolver coordenação motora entre outros desejos dos adultos, dessas brincadeiras, as crianças não gostam.
criança gosta de fazer coisas de verdade.
alias, criança adora trabalhar!
criança gosta de fazer brincadeira virar coisa seria!
o interessante é que não existe uma unanimidade entre o que as crianças gostam de fazer.
mas todas elas gostam de se sentir produzindo, cada uma do seu jeito particular.
nossa questão é permitir que se apresente o modo que cada criança deseja produzir sua própria vida.
(coisa que nenhuma escola se propõe, a dar esse tempo e espaço para que cada criança apresente seu caminho de desenvolvimento e potencialização).
hoje, minha filha de 5 anos me chamou com os olhos cheios de brilho para eu ver todas as camas arrumadas com muito capricho, que ela mesma tinha feito, e pra surpresa dela, ela também conseguiu arrumar nossa cama, minha e de meu marido, que é um futton no chão de 2mx2m.
que alegria ela sentiu ao ver sua linda obra!
mais tarde, o pai foi lavar o quintal e ela pediu para ajudar, ele disse: "deixe eu terminar o trabalho que eu te dou a mangueira para você brincar um pouco"; e ela respondeu, "eu não quero brincar, quero trabalhar de verdade!"
e assim ela vem conquistando seu espaço em todos os lugares da casa.
na cozinha, já mexe com faca, fogão e eletrodomesticos.
além de lavar louça e arrumar a mesa.
diz que, entre outras coisas, quer ser cozinheira, e por isso precisar treinar.
e assim a gente vai aprendendo que para criança obrigação vira diversão.
mas a coisa não para por ai, alem gostar de trabalhar, criança não está preocupada em sentir prazer e evitar a dor.
elas adoram um desafio, o que inclui dor, frustração, disciplina e claro, muitas emoções, como frio na barriga e alegria.
uma outra caracteristica especifica da nossa pequena, são as conquistas corporais.
quer dominar patins, bicicleta sem rodinha aro 20, trepa-trepa extenso, circo, e uma vez que consegue dominar cada uma dessas coisas, começa a experimentar fazer o mesmo, mas de olhos fechados.
o pai quase tem um enfarte a cada semana, primeiro de pânico, depois de orgulho!
a questão é essa, permitir que as crianças trabalhem, desde muito pequenas!
e que escolham seus trabalhos, seus desafios, suas dores e suas alegrias.
quando uma criança não tem espaço e tempo para "produzir", ela vai buscar preencher esse desejo com o "consumir", ela deixa de ser uma produtora nata, para ser uma consumidora insaciável.
viver o cotidiano com uma criança "produtora" é completamente diferente do que viver com uma criança "consumidora".
a sorte é que nenhuma criança nasce consumidora, e que toda criança nasce produtora.
mas como sempre, para poder criar essa condição de desenvolvimento da criança, é necessário primeiro, criar essa condição em nós mesmos.
ser inteiro na vida, sempre, isso é desescolarização!
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7 comentários:
Chorei de emoção ao ler esse post ana. Primeiro por que com ele percebi que o que sinto em meu coração é real: criança gosta de produzir. E segundo, por que mais uma vez tive a confirmação que o coração da mãe é verdadeiro. digo isso para amigas que me questionam sobre a desescolarização, mas digo meio titubeante (cada vez menos titubeante!).
E a minha dúvida era (prazerosamente conjugado no passado) que criança trabalhando é exploração. E agora Ana, você acabou de ligar em mim uns pontinhos: explorar uma criança é abusá-la psicologicamente, é colocá-la no trabalho que el adeseja fazer e dizer a ela o quanto aquilo é algo desqualificado, que ela nunca será nada de bom. É não valorizar a rotina dela (como os comentários do rapaz no post da Fabiolla no grupo Educação Ativa falando sobre "a roça"). E outro pontinho também era minha dúvida sobre a junção da infância à adolescência: como querer um adolescente produtivo, inutilizando e resguardando a criança? A criança não pode sentir dor, frustração ou trabalhar pq é coisa de adulto e o adolescente deve enfrentar tudo isso, pq chegou a hora (como se fosse um botãozinho de liga-desliga) e dessa forma, os momentos de transição fisiológica passam a conter muito mais crises que deveriam... OBRIGADA ANA!!!! Você alegrou meu coração com suas palavras, sigo muito mais confiante :)
obrigada pela partilhas neste blog, estou a gostar muito e a identificar-me com tudo o que leio.
poderia explicar melhor o que define como criança consumidora e criança produtora. pode dar exemplos?
Obrigada
é comum ver um bebê quando ganha um presente, querer brincar com a embalagem ao inves do brinquedo! Pois a embalagem não tem nada pronto e definido, ela vai produzindo sons e movimentos com o papel, a caixa; já o brinquedo está pronto e acabado e pouco atraente para suas explorações, mesmo assim ela põe na boca, e explora o brinquedo independente da função do brinquedo. Isso é produção. Criação.
Quando a criança cresce, começa ser impedida de produzir, pois é convidada o tempo todo a lidar com regras pre-estabelecidas, para o jogo, para o brinquedo, para a vida. E assim adentra o mundo do consumismo, consome relações, ideias, brinquedos, até começar a sentir prazer em comprar, para logo sentir um vazio e querer comprar mais. Isso tem acontecido cada vez mais cedo, e está longe de ser da natureza humana e sim um habito cultural e destruidor da infancia.
Assim como adultos, podemos ser produtores de vida, criar nosso mercado de trabalho, nosso modo de vida, nossa maneira de nos alimentarmos, de nos relacionarmos; ou somos consumidores de modos ja estabelecidos e seguimos regras que não acreditamos, mas justificamos dizendo que assim é a vida real. Mas não existe realidade previa, somos criadores de realidade, desde muito pequenos!!!
gostei muito do post, assim como tudo que leio aqui. Riquíssimo ainda seu comentário sobre criança consumidora e criança produtora. Muito bom!!!
Ana, passar por aqui e ler algo assim é ganhar o dia e não precisar de mais nada! Obrigada por mais essa partilha.
Eu estou amando isso aqui.
Me emocionei com esse post. Porque fica muito claro como a gente atrapalha e "deseduca" as crianças querendo impor "conhecimentos" , modos de ação, querendo "ensinar". Vou contar só uma experiência que tive com meu filho, que hoje tem 2 anos e meio: há mais ou menos um ano, ele ganhou uma coleção de livros com CDs de música clássica para crianças,lançada por um jornal paulista. Nós gostamos muito de música aqui em casa, o marido era baterista, meu irmão é maestro, minha mãe dança sozinha na cozinha até hoje (e dançar com ela enquanto cozinhávamos juntas é umas das memórias mais bacanas que tenho da infância), enfim, é uma coisa muito natural pra gente. Achamos que valia a pena ver qual era a dessa coleção e compramos.
O filho gosta muito, ouve muito, cantarola trechos e tal. Mas a relação que ele estabeleceu com esses livros e CDs foi baseada totalmente em outros significados que ele deu para esses objetos (livro + CD). Ele adora os livros, mas brinca com eles (muito mais no começo do que agora) de qualquer forma que não seja tocar e ler. Ele gosta, por exemplo, de abrir todos eles na página em que há o registro das faixas do CD para ver os "númilos". O barato dele é abrir tudo, ver os números, fechar tudo e repetir. Ele gosta de tirar todos os CDs e trocar de lugar. "Coloca o Verdi na casa do Berlioz e o Beethoven na casa do Bach"... Gosta de colocar durex nas capas, gosta de ficar girando os CDs no chão...
Sabe o que a gente sempre fez diante disso? "Ensinamos" que o CD não serve pra isso, que o livro não deve ficar aberto daquele jeito pq estraga e blá blá blá.
Só comecei a me questionar sobre essa prática quando vi que a doutrinação estava fazendo efeito e que ele estava parando de brincar livremente com os CDs. Ainda deu tempo de retroceder, mas esse tipo de ação parece tão normal que às vezes nem percebemos.
Obrigada por compartilhar tantas experiências bacanas que nos fazem pensar.
Abraços
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